Não existe mais área livre do crack no nosso país. A droga capaz de viciar em oito segundos chegou a comunidades que pareciam estar a salvo.
Nesta semana, o Jornal Nacional vai exibir uma série de reportagens especiais sobre uma praga que se espalha no Brasil inteiro: o consumo de crack.
Ao longo dos últimos anos, nós já mostramos o surgimento das cracolândias nos nossos maiores centros urbanos. Mais recentemente, nós vimos que o crack chegou a cidades médias e pequenas. E que os viciados, hoje, são de todas as classes sociais.
Mas, depois de um mês de viagens pelo Brasil, os repórteres Bette Lucchese, Mohamed Saigg, Leandro Cordeiro e André Maciel comprovaram uma suspeita. Não existe mais área livre do crack no nosso país. A droga capaz de viciar em oito segundos chegou a comunidades que pareciam estar a salvo.
As imagens que lembram conflitos urbanos foram gravadas por um indígena. Cenas de um fim de semana comum na aldeia Tikuna, em Tabatinga, no Amazonas.
Nas mãos desses jovens índios, tudo vira arma. Sob o efeito das drogas, eles se dividem em gangues e travam duelos que muitas vezes terminam em morte. Trocam insultos na língua da tribo.
Tabatinga tem 52 mil habitantes. A polícia mapeou mais de 100 pontos de distribuição e venda de drogas. E descobriu também cracolândias. Com uma câmera escondida, a equipe do Jornal Nacional esteve em uma delas. A menos de 100 metros da principal avenida da cidade.
Na construção abandonada, um grupo usa o crack. Entre eles, um índio. O cigarro é feito de raspas da pedra de crack. Outro índio tem 21 anos de idade e é dependente da droga desde os 15 anos.
Ele conta onde consome a droga: “Na floresta. No mato”. A mãe conta como descobriu o envolvimento do filho com drogas. “Sumiu um rádio, panela, enxada, machado, tudo”, diz.
São duas aldeias Tikuna no município de Tabatinga, no extremo oeste do estado do Amazonas, a mais de mil quilômetros da capital, Manaus.
Uma região que faz fronteira por terra com a Colômbia e do outro lado do Rio Solimões, com o Peru.
“Primeiro a facilidade de acesso. Nós estamos dos lados dos maiores fornecedores. Segundo, custo. Baixo custo. Isso sim, aliado a uma miséria cultural por parte da população, faz com que o acesso a este tipo de droga seja procurado e seja facilitado pelo fornecedor”, explica Gustavo Pivoto, delegado da Polícia Federal.
O avanço das drogas nas aldeias tem prejudicado uma das principais atividades econômicas da tribo Tikuna. Muitos peixes como o tucunaré e o tambaqui, vendidos por preços mais altos no mercado, desaparecem de represas feitas para a criação dessas espécies. São roubados por índios que precisam manter o vício.
“Os jovens não querem mais trabalhar com o pai. Arromba a cerca e o que eles querem, lá pegam”, afirma um índio.
“A Funai sozinha certamente não terá condições de superar este problema de forma rápida. A Funai não tem atribuição para isso. Então o que a gente tem feito é buscar estas parcerias para que se estabeleça uma rede integrada de prevenção, de atenção e cuidado por um paciente indígena que já esteja inserido em um contexto de uso de crack, álcool e outras drogas”, aponta Maria Augusta Assirati, dir. Promoção Desenvolvimento Social Sustentável – Funai.
A situação se agrava porque o alcoolismo, um problema antigo nas tribos, torna os efeitos do crack mais potentes, segundo psiquiatras.
O vice-cacique Manuel Nery conta que eles ficam agressivos: “Isso, quebrando a lâmpada da casa e joga pedra em cima da telha da casa e lá já vai começar a violência”.
À luz do dia, os rastros das batalhas. E as marcas da guerra não ficam só pelas ruas. Um índio mostra as marcas de facadas.
Fonte: Jornal Nacional - Edição do dia 20/05/2013
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